domingo, 11 de setembro de 2011

Poeira...

domingo, 11 de setembro de 2011

Deu a partida e enveredou pelos barrancos em direção à casa da Morocha. Alto do chão.
- El hermano de Tonico? - ela perguntou, oferecendo a cuja de mate novo, dente de ouro na frente. - Entonces, eres tu? Bién que él me tenha hablado, muy guapo.
Os anéis cintilaram quando ela abriu a porta para que ele penetrasse no interior enfumaçado. Já estavam lá, ou chegariam depois, não lembrava, o Caramujo, o Pancho, o Bira e talvez um ou outro daqueles bagaceiras todos que tinham tocado em Beatriz. Não falou com ninguém. Sentou sozinho numa mesa, pediu um maço de Hudson com ponta, uma cerveja. Antes que pedisse a segunda, uma loira meio velha, olhos verdes e falha num dente, pediu licença para sentar com ele. Usava saia justa de veludo de cor viva, de que nunca mais conseguiu lembrar a cor exata, embora tivesse certeza de que não era verde-musgo nem azul-marinho.
Na manhã seguinte, quando Toninho aos berros finalmente conseguiu acordá-lo, lembrava apenas de ter pedido para ouvir O Destino Desfolhou, depois de uma vomitada espetacular bem no meio da sala. Mais que tudo, das pernas escancaradas de uma loira meio velha numa cama de lençóis com cheiro estranho. O resto, névoa opaca, gosto de palha na boca.
Hoje - tantos anos depois, neurônios arrebentados de álcool, drogas, insônia, rejeições, e a memória trapaceia, mesmo com a atenção voltada inteira para o centro seco daquilo que era denso e foi-se dispersando aos poucos, como se perdem o tempo e as emoções, poeira varrida, por mais esforços que faça, plena madrugada, sede familiar, telefone - mudo - não consegue lembrar de quase mais nada além disto tudo que tentou ser dito sobre Beatriz ou ele mesmo ou aquilo que agora chama, com carinho e amargura, de: Aquele Tempo.
Temp
o, faz tanto tempo, repetem - esquece. Continuam a dizer coisas que ele não entende.


do livro: Os Dragões não conhecem o paraíso.

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